sexta-feira, 11 de março de 2011

O Show do Eu

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
O show do eu é uma obra que descreve de forma simples as diversas mudanças de comportamento partindo da difusão das inovações tecnológicas e das redes sociais. Os blogs, fotologs, Orkut, twitter e tantas outras formas de cultuar a personalidade mudam o cotidiano da sociedade e é questionando essa nova estrutura onde a privacidade e a intimidade é revelada sem nenhum critério e as pessoas sentem necessidade de serem vistas.
Com a mudança do ser midiático, eu, você e todos nós é que viramos celebridades disponibilizando as informações e cenários do dia a dia e tendo como figurantes nossos familiares e amigos. Paula Sibila* mostra as muitas características da nova forma de se comunicar e se fazer visto frente às redes multimídia.
Eu, eu, eu... você e todos nós
A obra inicia mostrando a necessidade que o ser humano tem em ser visto por outros, no sentido de reconhecimento, independente do tempo cronológico e importância na historia. Para tanto, Sibila, traz trecho da autobiografia de Nietzsche datada em 1888 e citação de Bruna Surfistinha, celebridade contemporânea, onde ambos revelam de forma clara a necessidade de reconhecimento do outro e a certeza de que são celebridades e possuem personalidades dignas de serem notadas onde quer que esteja.
As redes sociais mudam a forma de comunicação de massa e revelam a intimidade na internet de forma escancarada e criando shows particulares e não íntimos. A criação de novas subjetividades usando a internet amplia e atesta a existência do eu como espetáculo midiático de forma interessante e atraente.
Eu narrador e a vida como relato
O segundo capítulo inicia-se com citações de significados distintos. Clarice Lispector que considera suas memórias algo pessoal e não divulgado e a Vera Loyola que descreve claramente o quanto sucumbiria caso não houvesse interesse dos fotógrafos por sua imagem.
A exibição das autobiografias digitais autoriza o desconhecido a entrar na sua intimidade. São lembradas também, as “falsas autobiografias” onde relatos fictícios são incorporados às histórias e fazem aquele eu mais interessante.
O eu aqui se torna narrador, personagem e criador de seus relatos. Extinguida as formas analógicas de propagar os escritos, os mesmos tidos como reais e verdadeiros, independentemente do quão imperceptível seja o autor e/ou personagem. Alguns desses blogs sofrem do “ gérmen da declarada ‘pobreza narrativa’” o que tornam milhares de meios desinteressantes e só impactam no próprio autor.
Eu privado e o declínio do homem público
 Michel Foucault é citado através de um dos seus estudos onde descreve e denomina o ser humano nos últimos séculos “tornou-se um ‘animal confidente’” e, por isso, o confessor se sente livrando-se de um peso morto.
Eu visível e o eclipse da interioridade
Supõe-se a mudança do subjetivo. É a sensação do auto dirigível e a tela é a possibilidade de ser visto pelos olhos alheios, seja ela a televisão, a internet, o celular, etc. O troféu do ser visível é buscado e o que acontece no âmbito da intimidade fica desconfortável por não poder ser visto por outros olhos.  
Eu atual e a subjetividade instantânea
Por medo das lembranças serem apagadas a sociedade do espetáculo atualiza constantemente seus blogs, fotologs e outras redes sociais. São relatos de si, detalhados dia a dia e registrados para a fixação própria e saberes dos outros olhares.
Existe nesse imediatismo a tentativa de recuperar o tempo perdido e os relatos são feitos um após outro. É como se não houvesse tempo e este pode ser acionado a qualquer hora e de qualquer lugar. É o que já aconteceu que se tornará significativo a qualquer momento presente.
Eu autor e o culto à personalidade
Antigamente o relato dos fatos era feito descritivamente, hoje as fotos sobrepõem os textos e a interação ficou audiovisual.  A indústria cultural e o mercado tomam conta das intenções  e marcam tendências fortes, como por exemplo, o nome de celebridades que viram marcas de produtos e grifes.
A exibição da intimidade de qualquer um remete a roteiros de filmes. É tornar ficção o que é real e complementar o real com ficção. No presente capítulo Sibilia cita muitas formas de misturar realidade e ficção e fazer com que outros se interessem para dar uma olhadinha, sempre.
Eu real e os abalos da ficção
Com tanta ficção relatada como sendo real, começa a existir a procura por experiências realmente verdadeiras com emoções verdadeiras. As vendas de biografia aumentam consideravelmente em todo planeta em consequência dessa exposição do eu e o interesse do outro pelo que não é seu, nesse caso, a vida
Os realities shows que são pedações de biografia televisionadas tem recordes de audiência por conta da exposição do íntimo, fazendo sujeira televisiva e vendendo imagens posadas dos protagonistas que integram as cenas. 
Eu personagem e o pânico da solidão
As histórias de outras pessoas encantam. É o fascínio pelo que é alheio. É a fofoca de forma velada e observada.  As celebridades para serem queridas criam uma ficção para suas vidas e tentam expor de forma que se tornem bastante visíveis. É o fato íntimo acima do talento.
Sibilia trata também nesse capitulo a dificuldade de manter o eu público do eu privado e o quanto de conflito que isso gera para a vida das pessoas envolvidas. A necessidade de não ser só faz com que as pessoas prefiram ser celebridades instantâneas sem motivos para ser famoso a não ser famoso, preferem o vazio de uma “carreira” sem propósito a não ter visibilidade nos holofotes da mídia.
Volta a falar dos realities shows onde o que convida a audiência a acompanhar é a possibilidade de acreditar que aqueles participantes são autênticos e eles estão assistindo a realidade televisionada.
Eu espetacular e a gestão de si como uma marca
Os teóricos da comunicação há muito diziam que o desenvolvimento do capitalismo e da cultura de massa fez surgir a sociedade do espetáculo onde o modo de vida seria baseado na visibilidade do eu privado. Isso acarretou a mudança na sociedade criando expectativas de qual pessoa queremos nos tornar.

o famoso vira marca a ser seguida e uma legião de outras pessoas, anônimas, o imitam como tendência. Você deixa de ser para ter e ainda pior em alguns casos, é o querer parecer que é.  Tudo se tenta converter para o espetáculo, o eu espetacular.

*Paula Sibilia é pesquisadora de temas culturais contemporâneos, atualmente é professora do Programa Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ana Claudia de Lima Pires – Pedagoga e professora pela Prefeitura Municipal de Salvador.